SILÊNCIO
O silêncio
provoca esse encontro comigo mesma, sem sons eu me vejo como se fosse pela
primeira vez, é quando só eu existo e me sinto completa, os barulhos do
cotidiano me dividem em inúmeros eus de tal forma que nem sei direito quem sou,
máscaras multifacetadas encobrem-me, desdobram-me em múltiplas personalidades,
muitas vezes sem elo entre elas; entretanto,no sepulcro da alma há uma delas,
que além de não se ligar a nenhuma outra, sequer habita de fato em mim e o
desdobramento torna-se ainda mais quantitativo, o interessante é que a cada
falta de som uma nova forma aparece sem se relacionar também com nenhuma das
anteriores, é nesse silêncio que me sinto plena, mesmo com tantas existências,
ouso até dizer que me sinto um pouco feliz, o silêncio me divide e me defini,
sei que tudo isso para a grande maioria são insignificâncias, a sobrevivência
humana não fornece tempo para a reflexão sobre a existência humana, ela sequer
é percebida, introspecção faz parte de mim e a falta de explicações não
oriundas de fatos externos me abalam e me confundem, a noite chegou e com ela o
momento crítico, após todos se acomodarem e findarem as tarefas da casa, uma
avalanche de sentimentos me balança por inteira, momento epifânico que se dá na
ausência de tudo, é na falta que eu existo, se é que posso usar “existir”, já
que o termo pressupõe sentir-se viva e isso eu não sinto, falta-me o essencial
da existência humana: uma única identidade, sobram-me tantas identificações em determinados momentos, no
íntimo nenhuma, apenas um vazio repleto de representações que podem ser
retiradas com algum solvente vagabundo, não sei de fato o que sou, o que me
sobra ou o que me resta, sou uma
desarrumada nesse mundo tão harmonicamente arranjado, foi o silêncio dele que
me cativou, como ele não existia eu podia existir,eu não era fracionada e a sua
falta de som finalmente me permitiu a plenitude de ser eu, sem máscaras, sem
performances, apenas eu, escrevo com um aperto no peito, sei que há qualquer
momento, o silêncio dele pode não me bastar e as outras personalidades aqui
dentro adormecidas podem se revelar, sofro mesmo na felicidade porque um
instante perigoso, não procurado nem desejado, pode trazer à tona todos esses
habitantes que vivem dentro de mim e novamente a escuridão pode voltar e se
instalar de vez em mim.
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