quarta-feira, 25 de setembro de 2013


INUSITADO


Não pensei que terminaria assim, eu te abandonando, te amando ainda, teu silêncio que tanto me agradou foi o que causou nossa separação, olho pela janela do avião, as nuvens parecem aqueles quadros de areia fina que quando colocados de cabeça para baixo vão formando outras imagens, nunca as vi desse jeito, elas pareciam chorar como eu, a negritude invadiu minha alma de tal forma que quase não a vejo, somente a dor que sentia me lembrava que eu ainda estava viva, antes de embarcar uma última ligação, peço-lhe que não me deixe partir, ainda no aeroporto, nenhuma resposta, apenas um silêncio profundo e perturbador, pisei o tudo em que acreditava, o orgulho deu passagem, implorei em vão, tua intransigência era intransponível, há uma semana de nosso casamento e eu não o conhecia, em frente um do outro separados pela medida do tampo da mesa da cozinha, eu recém estava descobrindo o que se passava por detrás de todo aquele silêncio, por não dizer nada em contrário pensei estarmos em sintonia, aquela tarde foi aterradora, todas as palavras não ditas  foram então pronunciadas, um estranho surgiu diante de mim, e deste eu não gostava, perguntei se ele era assim ou se por alguma obscura razão ele se encontrava dessa forma, não, essa era a sua essência, estúpida e ciumenta, não tive tempo de desgostar, foi tudo muito repentino, apesar de não amar esse outro ser que agora se apresentava, não conseguia deixar de amar o outro que habitara até bem pouco tempo atrás esse mesmo corpo, difícil arrancar todo o sentimento, mesmo sabendo que o que eu sentia não era pela pessoa real,mas sim por uma representação, uma estranheza se instaurou em mim, entreguei-lhe a aliança e pedi que fizesse suas malas, levei-o até sua casa e virei as costas, sei de todos os meus limites e da minha incapacidade de ceder, restava matar agora todo o sentimento que em mim existia, a razão por um lado me dizia estar certa, o coração por outro me corroia, pensamentos e sensações mesclavam-se com um torpor estarrecedor, tinhas ciúmes de tudo, eu uma alma livre, não aceitava correntes nem amarras, não sei fingir, sei apenas ser o que sou, ao meu lado senta-se um homem com fones no ouvido, ainda bem não pode ouvir os lamentos de minha alma, o avião decola, o seu som é mais suave que o estardalhaço dos meus sentimentos, só podia estar chovendo, combina melhor com minha existência, e eu que pensei haver encontrado o sol, debocho de mim, da minha falta de realidade,  agora também não poderia ser  diferente, toda minha vida foi uma eterna noite de chuva e de tempestades, a imbecilidade tomou conta de mim e eu acreditei, acreditei que podia ser feliz e que podia agarrar a vida em minhas mãos, ironicamente nunca cri que fosse possível, o amor faz tornar o prófugo em concretude, idiotice minha,  todos os que amam são ignorantes, não sabem nada, pensam saber, somente eles podem ser felizes pois desconhecem outros horizontes, essa falta de visão é o que lhes permite sentirem-se satisfeitos e realizados, sou uma metamorfose, nunca escondi, o amanhã comigo é sempre incerto, essa mutabilidade foi uma questão mencionada, talvez a causa de todas as incertezas dele, um leve roçar do braço do homem com fones no meu braço, viro e fito seus olhos negros e profundos, há apenas um contorno do rosto, somente o olhar se destaca,  ele parece ler minha alma, ficamos olhos nos olhos por alguns segundos, um leve tremor me acode, desvio o olhar em direção à janela, procuro ver novamente as nuvens em forma de areias finas, não consigo, aqueles olhos ficaram impressos em minha retina, permaneço imóvel procurando ver as nuvens, sinto de novo um pequeno toque em meu braço, finjo não sentir, ele insiste, olho para ele, confusa com o gesto, seu rosto está bem próximo do meu, posso sentir  sua respiração, seus lábios agora estão colados ao meus, destino implacável, não sei o que o atraiu, não sei o que me atraiu, sem palavras, sem nomes e apresentações, beijávamo-nos docemente como se fosse algo natural e usual , nenhum de nós dois falava, acho que somente nossas almas trocaram informações, sei lá, talvez dois corações machucados tenham se encontrado naquele voo, permanecemos calados, abraçados, como se um apoiasse o outro, aterrissamos, peguei minha bagagem de mão, sai sem olhar para ele, senti seu olhar me acompanhar, ao tomar o táxi vi que ele estava ao meu lado, mas nada disse, abri a porta, entrei e parti, ainda trago aqui dentro de mim aquele momento inusitado de minha vida e em minha retina ainda estão impressos aqueles olhos negros de um desconhecido que me confortou e me reanimou em uma dia de total negritude, não sei quem é, nem desejo sabê-lo, só sei que naquele determinado tempo ele foi a minha completude, não precisamos falar, apenas deixamos que as sensações nos dominassem e nos fizessem felizes, quem sabe um dia o destino  nos coloque novamente juntos ou não, não importa, sei que naquele momento fomos um para o outro  tudo aquilo que precisávamos, dois desconhecidos que por uma estranha razão se deixaram  guiar pelos sentimentos que nenhuma explicação lógica conseguiria explicá-los, mas que a essência humana em sua total pureza, sem o pensamento do certo e do errado, permitiu fluir uma energia ainda para mim totalmente inexplicável e singular, sei a partir de então que sou capaz de abolir a racionalidade e ser apenas instintiva.

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