sábado, 17 de março de 2012

gramática gerativa

Gramática gerativa


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Criticando o modelo distribucional e o modelo dos constituintes imediatos da lingüística estrutural, que, segundo eles, descrevem somente as frases realizadas e não podem explicar um grande número de dados lingüísticos (como a ambigüidade, os constituintes descontínuos, etc.), N. Chomsky define uma teoria capaz de dar conta da criatividade do falante, de sua capacidade de emitir e de compreender frases inéditas.

Ele formula hipóteses sobre a natureza e o funcionamento da linguagem: esta última, específica à espécie humana, repousa sobre a existência de estruturas universais inatas (como a relação sujeito/predicado) que tornam possível a aquisição (a aprendizagem) pela criança dos sistemas particulares que são as línguas: o contexto lingüístico ativa essas estruturas inerentes à espécie, que subentendem o funcionamento da linguagem.

Nessa perspectiva, a gramática é um mecanismo finito que permite gerar (engendrar) o conjunto infinito das frases gramaticais (bem formadas, corretas) de uma língua, e somente elas. Formada de regra que definem as seqüências de palavras ou de sons repetidos, essa gramática constitui o saber lingüístico dos indivíduos que falam uma língua, isto é, a sua competência lingüística; a utilização particular que cada autor faz da língua em uma situação particular de comunicação depende da performance.

A gramática é formada de três partes ou componentes: - Um componente sintático, sistema das regras que definem as frases permitidas em uma língua; - Um componente semântico, sistema das regras que definem a interpretação das frases geradas pelo componente sintático; - Um componente fonológico e fonético, sistema de regras que realizam em uma seqüência de sons as frases geradas pelo componente sintático.

O componente sintático, ou sintaxe, é formado de duas grandes partes: a base, que define as estruturas fundamentais, e as transformações, que permitem passar das estruturas profundas, geradas pela base, às estruturas de superfície das frases das frases, que recebem então uma interpretação fonética para tornarem-se as frases efetivamente realizadas. Assim, a base permite gerar as duas seqüências:

(1) A + mãe + ouve + algo,
(2) A + criança + canta.

A parte transformacional da gramática permite obter A mãe ouve que a criança canta e A mãe ouve a criança cantar. Trata-se ainda de estruturas abstratas que só se tornarão frases efetivamente realizadas após aplicação das regras do componente fonético. A base é formada de duas partes:

a) O componente ou base categorial é o conjunto das regras que definem as relações gramaticais entre os elementos que constituem as estruturas profundas e que são representadas pelos símbolos categoriais. Assim, uma frase é formada pela seqüência SN + SV, em que SN é o símbolo categorial de sintagma nominal e SV o símbolo categorial de sintagma verbal: a relação gramatical é a de sujeito e predicado;

b) O léxico, ou dicionário da língua, é o conjunto dos morfemas lexicais definidos por séries de traços que os caracterizam; assim, o morfema mãe será definido no léxico como um substantivo, feminino, animado, humano, etc. Se a base define a seqüência de símbolos: Art. + N + Pres. + V + Art. + N (Art. = artigo, N = nome, V = verbo, Pres. = presente), o léxico substitui cada um desses símbolos por uma "palavra" da língua: A + mãe + (vazio) + acabar + o + trabalho, as regras de transformação convertem essa estrutura profunda numa estrutura de superfície: a + mãe + acabar + (vazio) + o + trabalho, e as regras fonéticas realizam A mãe acaba o trabalho.

Obtiveram-se, portanto, no fim da base, seqüências terminais de formantes gramaticais (como número, presente, etc.) e morfemas lexicais; essas seqüências são suscetíveis de receber uma interpretação conforme as regras do componente semântico. Para serem realizadas, vão passar pelo componente transformacional.

As transformações são operações que se convertem as estruturas profundas em estruturas de superfície sem afetar a interpretação semântica feita ao nível das estruturas profundas. As transformações, provocadas pela presença na base de certos constituintes, comportam duas etapas; uma consiste na análise estrutural da seqüência oriunda da base a fim de ver se sua estrutura é compatível com uma transformação definida, a outra consiste numa mudança estrutural dessa seqüência (por adição, apagamento, deslocamento, substituição); chega-se então a uma seqüência transformada correspondente a uma estrutura de superfície. Assim, a presença do constituinte "Passivo" na seqüência de base provoca modificações que fazem com que a frase 'O pai lê o jornal' se torne 'O jornal é lido pelo pai'.

Essa seqüência vai ser convertida numa frase efetivamente realizada pelas regras do componente fonológico (diz-se também morfofonológico) e fonético. Essas regras definem as "palavras" provenientes das combinações de morfemas lexicais e formantes gramaticais, e lhes atribuem uma estrutura fônica. É o componente fonológico que converte o morfema lexical "criança" numa seqüência de sinais acústicos [kriãsa].

A teoria gerativa deve fornecer uma teoria fonética universal que permita estabelecer a lista dos traços fonéticos e as listas das combinações possíveis desses traços; repousa, portanto, sobre uma matriz universal de traços fônicos. Deve fornecer uma teoria semântica universal suscetível de estabelecer a lista dos conceitos possíveis; implica, portanto, uma matriz universal de traços semânticos. Enfim, a teoria gerativa deve fornecer uma teoria sintática universal, isto é, estabelecer a lista das relações gramaticais da base e das operações transformacionais capazes de dar uma descrição estrutural de todas as frases. Essas tarefas da gramática gerativa implicam, portanto, a existência de universais lingüísticos a esses três níveis.


terça-feira, 13 de março de 2012

Poesia de Clarinda da Costa Siqueira

Em tristes horas nasci,

Duro clima me abrigou,

Ventre infeliz me nutriu,

Triste berço me embalou.



GLOSA



O quadro da minha vida

Todo ele é doloroso!

Por destino rigoroso

Tenho sido perseguida.

No momento de nascida

Áspero regaço senti,

Abri os olhos e vi

A desgraça! E então gritei,

Entre soluços clamei:

Em tristes horas nasci.


Piaget e Vigotsky

Leitura e literatura- UNIVEST- Profª Ms. Dilma Leite Schmitz

Análise comparativa entre Piaget e Vigotsky acerca de relação entre a atividade da leitura e o desenvolvimento das crianças



SMOLKA, Ana Luiza Bustamante. Leitura e desenvolvimento da linguagem. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1989.



            Piaget circunscreve seus estudos em torno de desenvolvimento cognitivo, atribuindo à inteligência o processo de estruturação e autoregulação da criança na construção do conhecimento. Ele atribui ao sujeito a capacidade de edificar o seu próprio conhecimento, através do seu desenvolvimento intelectual biológico. Piaget distingue e separa o aspecto social aguardando que a criança se desenvolva mentalmente de forma espontânea para depois então, trabalhá-la através do social. Essa distinção faz com que se desvincule a aprendizagem de um processo mais amplo, como o do contexto sócio-histórico-cultural. Ele não ignora que as condições culturais interfiram no processo, mas não inclui em suas análises a diversidade dessas condições. Para ele, o funcionamento biológico é a alavanca do desenvolvimento da inteligência; o endógeno precede os processos históricos, sociais e culturais.

            Para Vygotsky, todas as funções psicológicas se originam nas relações entre indivíduos. A percepção imediata da criança vai sendo mediada pelas relações interpessoais, fazendo com que ela se aproprie de objetos, idéias, dizeres que, ao serem incorporados, são transformados em um novo objeto, um novo conhecimento. Portanto, para Vygotsky, na construção do conhecimento prevalece a influência da linguagem e das relações sociais e históricas associadas à intersubjetividade de cada pessoa. O meio é elemento primordial na construção do conhecimento, não desconsiderando a psicogênese piagetiana como esquema de ações e operações mentais subjetivas, mas acrescendo a essa uma perspectiva histórica e social.

            Partindo do princípio de que a democratização da leitura significa divisão de poder, é necessário que se abandone a concepção elitista da leitura que privilegia os conteúdos propostos, as formas textuais escolares e as práticas de leitura consideradas como normas do bem-ler e se inove as técnicas de leitura, incorporando-as com textos utilizados na vida cotidiana. A utilização dessas técnicas de leitura pela classe popular e a melhora nas condições de promoção do uso e da escolha dos textos, bem como, o acesso à bibliotecas e às obras literárias, despertarão no leitor uma visão reflexiva e crítica, levando-o a cultivar o prazer pela leitura.

            A necessidade de se oferecer ao aluno uma leitura diversificada acaba discriminando os meios populares, uma vez que essa oferta de leitura somente lhes será fornecida pela escola que, por sua vez, é bastante limitada.Convém ressaltar que a leitura é a chave que possibilita o acesso a todas as outras disciplinas, daí a sua importância no contexto escolar e social.

            Concluindo, é preciso que a leitura se torne um prazer e para que isso aconteça alguns fatores são fundamentais como: momentos previstos, no tempo de aula, para leituras livremente escolhidas; abundância de livros e de bibliotecas e a incitação permanente do gosto de ler pelo professor, o qual não deverá utilizar a leitura apenas para exercícios, mas principalmente para cultivar o prazer de ler.











           







        

       

           


          



           

      

Filme::" Nós que aqui estamos, por vós esperamos"

O documentário “Nós que aqui estamos, por vós esperamos" é um filme em preto e branco com uma trilha sonora perturbadora e com poucas palavras elucidativas daquilo que o diretor quer nos mostrar.

            Faz uma retrospectiva dos acontecimentos ocorridos durante o século XX, intercalando cenas horrendas das guerras e do menosprezo pelas vidas humanas tiradas com cenas do progresso até a chegada da Revolução Industrial, juntamente com  a apresentação dos grandes inventos e dos cientistas, filósofos e estudiosos como por exemplos: Freud e Einsten, entre outros.  

            O filme apresenta uma visão mista de imagens de arquivos, de documentários e de algumas obras clássicas do cinema, mostrando as principais mudanças ocorridas no século passado: os regimes totalitários, as religiões em geral como o Islamismo, o Judaísmo, o Hinduísmo e o candomblé como formas de buscar Deus, a emancipação feminina, os movimentos sociais e outras transformações que serão mencionadas a seguir.

O século XX, após a Segunda Guerra Mundial, sofreu uma grande transformação no seu contexto histórico social, político, econômico e cultural advinda, principalmente, pela Revolução Industrial. A partir de então, a humanidade transforma-se de várias maneiras, o que antes não era praticado, passa então a eclodir,

A nudez passa a ser mostrada através da arte, como uma forma de propagar a igualdade entre os sexos: as mulheres passam a usar mini-saias, maiôs cada vez mais curtos e adotam diferentes  comportamentos, tais como: o hábito de fumar, a ingestão de álcool; o ingresso no mercado de trabalho, abandonando as tarefas da casa;  a utilização de um novo vocabulário incluindo expressões como: “sintonize”, “se ligue”, “sai fora”; a aquisição do direito ao voto, entre mudanças. Assim, os acontecimentos desse século eliciaram mudanças históricas não só no modo de vida das pessoas como também no comportamento das mesmas.

O documentário destaca as transformações nos meios de comunicação e os avanços tecnológicos e científicos, entre outros: a invenção do telefone, do rádio, da eletricidade, do avião, do foguete, da bomba atômica e inserção da psicanálise como ciência na sociedade.

Cabe destacar que o surgimento do rádio e da televisão começou a entrar nos lares e as informações começaram a mudar o modo de ver e pensar das pessoas e da sociedade como um todo. Era preciso mudar para acompanhar o ritmo acelerado que o progresso imprimia.

O filme mostra o sofrimento e o desespero das pessoas provocado pela guerra e as mudanças de cunho sócio-político-histórico; que, de certa forma, foram provocadas por esse conflito. Se por um lado, a revolução industrial alavancou o progresso; por outro, trouxe em seu paradigma problemas como: a alienação dos novos grupos de trabalhadores, oriundos da zona rural, a necessidade desenfreada pela aquisição de bens de consumo, que inicialmente não era possí­vel, devido à falta de leis trabalhistas que assegurassem uma jornada de trabalho fixa e uma remuneração condizente.

A inserção da mulher no mercado de trabalho, garantindo sua independência, modificou notavelmente o seu papel social ao deixar de ser apenas dona de casa e assumir responsabilidades que até então pertenciam exclusivamente aos homens.

O documentário relembra a queda do Muro de Berlim, a Revolução Cultural na China (Mão Tsé-Tung);  a extração aurífera em Serra Pelada, no Brasil; a quebra da Bolsa de Nova Iorque, em 1929, e o inevitável desemprego da população, a fome, a perda da dignidade dos trabalhadores.

O filme choca pelas cenas das guerras e mostra os líderes Stálin, Pinochet, Médici, apresentando-os em meio a cenas de traumas, humilhação, suicídios e manifestações públicas _ protestos_ além disso, nos faz vivenciar novamente a devastação das cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki, devastadas pelas bombas atômicas e a década de 20 com o movimento feminista, usando o slogan “We can do it” (Nós podemos fazê-lo), é muito bem retratado com os detalhes comportamentais já citados anteriormente.


            Apesar de todo o filme ser apresentado em preto e branco, a cena final é em cores  com a imagem de um cemitério com a frase: “Nós que aqui estamos, por vós esperamos”. Interessante não? Leva à reflexão!
RESUMO ELABORADO POR CARLOS RONEY CORREA

Poesia de Clarinda da Costa Siqueira

SONETO 1





Tristes sombras da noite, eu vos desejo!

Só no centro do vosso abismo escuro

É que acharei descanso o mais seguro.

É ele o único alivio que eu elejo.



Adiantar-me para vós é o que almejo;

Meditando em minha vida horas aturo,

Como um ente desgraçado me afiguro!

Só na morte é que o meu descanso vejo.



Porém não, cruel desgraça, não, não pares,

Podes ainda empregar a tirania

Nos mortais restos que de mim achares;



Podes ainda ultrajar-me a cinza fria,

Calcando-a bem aos pés, e então clamares:

<< Em tua vida assim eu te trazia! >>



1 Feito de improviso, aos 14 anos de idade, em um jardim.

Poetisa Rio-grandense. Livro "Poesias", Livraria Americana, 1881.

Cancioneiro gaúcho: fonte do sistema literário sul-rio-grandense

INTRODUÇÃO




             Com base na produção oral, esta pesquisa visa a analisar os elementos constitutivos, até hoje perpetuados, da identidade gaúcha através da produção oral do Rio Grande do Sul, em específico, do cancioneiro gaúcho cujas canções refletem a essência do povo rio-grandense, e a verificar de que forma esses elementos identitários foram reaproveitados pela literatura sulina, especialmente pela vertente regionalista.


            Convém destacar que para se delimitar esse tema, fez-se necessária a adoção de determinados critérios. Em primeiro lugar, entendemos por produção oral popular todos os contares, os falares e os cantares do povo, privilegiando sobremaneira os cantos que caracterizam costumes, crenças e ditos populares.  Em segundo lugar, selecionamos apenas as canções consideradas gaúchas, ou seja, aquelas que não são meras reproduções de músicas portuguesas ou manifestações culturais oriundas de outras regiões do Brasil. Portanto, diante desses critérios, adota-se como base estrutural deste trabalho o livro de Augusto Meyer, O cancioneiro gaúcho, pelo fato de o autor haver considerado esses aspectos em sua obra.


            A obrigatoriedade de estabelecer determinadas definições deve-se ao fato de, ao mesmo tempo, em que se distingue a individualidade da literatura regional em relação à nacional, considerando suas peculiaridades e seus contextos histórico-sociais, embora entendendo a literatura gaúcha como parte da nacional, sente-se a necessidade de dentro do próprio regional, aqui compreendido como espaço geográfico, definir o que realmente caracteriza o tipo gaúcho. Para endossar essa proposta, recorre-se s às palavras de Regina Zilberman quando esta afirma que a um livro voltado para a literatura rio-grandense é necessário definir-lhe o tema: Como a produção sulina faz parte da literatura nacional, é prudente esclarecer onde se situa a individualidade daquela porção, para justificar o tratamento que a singulariza, sem recorrer ao separatismo ou invocar teses regionalistas, soluções, ambas, limitadoras.[1]


            A compilação dos textos que compõem a nossa literatura oral iniciou com o alemão Carlos Von Koseritz que, a pedido de Sílvio Romero, passou a publicar quadrinhas anônimas recolhidas da produção popular no jornal Gazeta de Porto Alegre, visando a registrar as primeiras manifestações poéticas da história da literatura gaúcha. Outros estudiosos, a exemplo de Koseritz, continuaram a coletar essas composições e a publicá-las em revistas, almanaques, periódicos ou, inclusive, em obras específicas. Entre outros, citamos: Graciano Azambuja, João Cezimbra, Walter Spalding, Apolinário Porto Alegre, João Simões Lopes Neto, Augusto Meyer e Sílvio Romero.



            Em 1910, é publicado o Cancioneiro guasca, de João Simões Lopes Neto, que apresenta a sua coleta das composições divididas em capítulos intitulados: antigas danças; quadras; poemetos; trovas; poesias históricas; desafios e modernas.Em 1935, em comemoração ao Centenário da Revolução Farroupilha, é editado o Cancioneiro da Revolução de 1835, de Apolinário Porto Alegre, cuja temática de guerra é de fundamental importância documental.Em 1952, o Cancioneiro gaúcho, de Augusto Meyer, é publicado. O autor apropriando-se de critérios seletivos quanto à originalidade dos textos, descartando os de origem portuguesa (transcrições puras) e os de outras regiões do Brasil, apresenta-nos textos, cuja linguagem acentuadamente localista, destaca a vida campeira como símbolo positivo de modo de viver. Outras obras importantes fazem parte da revisão literária necessária para essa pesquisa e encontram-se refletidas nas referências bibliográficas ao término deste estudo. Destacam-se apenas essas três por serem consideradas fundamentais para o trabalho em questão: o cancioneiro gaúcho como fonte do sistema literário sul-rio-grandense.     

            A configuração da imagem do gaúcho, como é concebida atualmente, é formada por vários elementos: alguns de origem popular, como a indumentária e os modos de falar e de agir; outros, de natureza erudita como a figura mítica do centauro, além das condições sócio-econômico-histórico-políticas.

            A presente pesquisa orienta-se a partir das seguintes questões norteadoras: Qual a origem do cancioneiro gaúcho e de que forma se relaciona com a literatura oral e popular? Qual é a relação da história com a literatura na criação do mito do gaúcho? Qual o papel da história literária rio-grandense na criação na constituição do termo “gaúcho” tal como é concebido atualmente? De que forma os elementos constitutivos da identidade gaúcha foram transpostos do cancioneiro gaúcho para a literatura sul-rio-grandense?

            A realização desta pesquisa necessita não apenas uma análise da bibliografia existente sobre o tema do cancioneiro gaúcho, como também uma revisão acerca da teoria da história da literatura, da relação entre história e literatura, da formação da história literária rio-grandense e de toda a fortuna crítica publicada a respeito do assunto.

                    
            Além de resgatar o valor histórico e cultural do cancioneiro gaúcho como instrumento de construção da memória coletiva, esta pesquisa objetiva, ainda que de maneira modesta, reescrever um capítulo da história da nossa literatura, detectando as linhas de pensamento ideológico, assumidas pelos escritores rio-grandenses ao comporem a sua história da literatura. O resgate do cancioneiro gaúcho, como fonte do nosso sistema literário, visa a identificar os elementos selecionados para a construção da identidade gaúcha e também a analisar de que forma a transposição desses elementos, retirados da produção oral, foi utilizada na formação da literatura gaúcha e na escrita da nossa história literária.

            A metodologia utilizada para dar conta deste estudo está assim estruturada: pesquisa bibliográfica (histórica e analítica); análise dos livros do Cancioneiro gaúcho: Cancioneiro guasca, de Simões Lopes Neto, O cancioneiro da revolução de 1835, de Apolinário Porto Alegre e o Cancioneiro Gaúcho, de Augusto Meyer; estudo das matrizes teóricas que ajudaram a definir alguns conceitos fundamentais como os existentes na relação entre história e história da literatura e do próprio conceito de literatura regional; revisão da bibliografia teórica acerca da escrita de histórias da literatura; - leitura de obras pertencentes à literatura gauchesca e à literatura oral de maneira geral; -revisão da fortuna crítica sobre o cancioneiro gaúcho; - identificação dos elementos constitutivos da identidade gaúcha; - reconstrução, a partir desses dados, das diferentes expressões e usos da cultura transmitidos pela literatura oral à literatura escrita sulina; - identificação do regional; - análise crítica dos cancioneiros gaúchos; análise da representação do gaúcho nas obras O Corsário (Caldre e Fião), O Vaqueano (Apolinário Porto Alegre), Os Farrapos (Oliveira Belo) e nos contos de Simões Lopes Neto: O Negro Bonifácio e Trezentas Onças; e a elaboração de conclusões acerca do tema: o cancioneiro gaúcho como fonte do sistema literário sulino.


            O capítulo I dessa dissertação aborda as relações entre literatura oral e popular e o cancioneiro gaúcho, definindo conceitos como tradição e folclore e apresentando a origem das canções trovadorescas desde seu surgimento até seu redimensionamento dentro da cultura gaúcha. O capítulo II apresenta as confluências entre literatura e história e parte do primeiro caudilho rio-grandense – Sepé Tiaraju – origem do mito no Rio Grande do Sul para constituir os elementos formadores da identidade gaúcha até a consolidação do mito. O capítulo III resgata a história literária rio-grandense desde a sua produção oral até o início do regionalismo, destacando a questão ideológica que permeia os conceitos de região e de identidade. O capítulo IV trata de estabelecer a transposição dos elementos constitutivos do mito do gaúcho do cancioneiro popular para a literatura sul-rio-grandense, enfatizando a importância da Sociedade Partenon Literário para a vertente regionalista.




CAPÍTULO I


Literatura oral e popular: o cancioneiro gaúcho


1.1 Tradição e folclore

O povo recria a coisas infatigavelmente (aceitação coletiva) e só aceita os fatos com a sua função atual e não como sobra do passado. Assim, a tradição não resulta de um passado milenário, da mesma forma que de fato contemporâneo, importa não a velhice, mas a aceitação atual. (grifo nosso)

Renato Almeida

No Folclore nascemos, vivemos e morremos. É o clima natural, orgânico, diário, familiar. É a ciência do povo. Saber mais do que o povo é privilégio do Espírito Santo. (grifo nosso)

Luís da Câmara Cascudo



Desde o século XIX, primeiramente na Europa e, logo após, na América, a história dos estudos folclóricos é bastante conhecida. Esses estudos se constituíram e se desenvolveram junto com a história cultural e política da época. Com o Romantismo e o processo de afirmação das nações ocidentais surgiu a necessidade de incorporar a linguagem popular na cultura letrada. No Brasil, as manifestações folclóricas contribuíram para fundamentar a historicidade da literatura brasileira e sulina.  O país, através de escritores e críticos literários, propagou via literatura a cultura popular brasileira. Em 1888, as publicações: Estudos sobre a poesia popular no Brasil e História da Literatura Brasileira, ambas de Sílvio Romero, foram marcos iniciais do estudo folclórico, de forma epistemológica. Luís da Câmara Cascudo considerou as coletâneas Cantos (1883) e Contos Populares do Brasil (1885), ambas de Silvio Romero, publicadas um pouco antes das obras anteriormente citadas, como primeiro documento da literatura oral brasileira.[2]  


               Poucos foram os intelectuais brasileiros que consideraram os acentos da poesia popular no século XX, entre eles destaca-se, segundo Silvio Romero, Mello de Morais Filho, único a acompanhá-lo no estudo popular cultural brasileiro. Gilberto Freyre, conforme o autor, com a revolução modernista, incorporou algumas contribuições, embora se tenha detido pouco na literatura oral, destacando mais a questão da descrição e da análise de costumes e as relações sócio-culturais. Em 1934, Luís da Câmara Cascudo encorajado e orientado por Mário de Andrade contribui com a publicação de valiosos trabalhos acerca do folclore no país, suprindo a lacuna deixada pelos escritores brasileiros. 

              A produção oral como sinônimo de aporte cultural de uma determinada região está fundada na tradição. É a transmissão de geração em geração das formas de pensar, de fazer ou de agir de um apurado grupo de indivíduos, através da transmissão oral ou até mesmo do exemplo e da imitação, incluindo hábitos e comportamentos herdados, que constroem a identidade cultural de uma determinada comunidade. Segundo Aurélio Buarque de Holanda, a palavra tradição remete-nos ao ato de entregar e dentre as cinco definições da palavra tradição o aspecto predominante é o da transmissão como forma de propagação de uma memória cultural de uma determinada região, através da imitação e da oralidade.[3] 


              Thomas Chapais, de acordo com Jean Du Berger, defende que a língua é fator fundamental para preservação das tradições.  No primeiro Congresso da Língua Francesa no Canadá, realizado em Quebec (1912), o pesquisador em um importante discurso aponta a importância da língua como fator primordial na defesa da tradição. Thomas Chapais considera que a conservação dos costumes através das tradições é reconhecida pela literatura nacional pelo fato de a mesma definir a identidade coletiva do Canadá francês[4].    
               Conforme Du Berger, a tradição possui um dinamismo que une as gerações que se sucedem, dando sentido ao presente ao referir-se ao passado, ou seja, há uma certa evolução no processo da memória coletiva. Para ilustrar, o referido autor reporta-se a Lionel Groulx em seu romance L’appel de la race (1922), citando o herói Jules de Lantagnac, que sobre a tumba de seus ancestrais, acaba assumindo sua alma de francês, afirmando que de uma geração para outra é necessário que haja elos de ligação que estabelecem sentido entre as gerações, através de um processo de continuidade de valores que são perpetuados através da tradição, mas que apresentam uma certa evolução na sua trajetória. A partir dessa idéia de haver uma evolução na tradição, o abade Lionel Groulx.[5], propõe uma definição, com base na etimologia, destacando os dinamismos do conceito. Assim, para o historiador a tradição é dinâmica, portanto não é algo que retém, mas sim um projeto que promove o avanço de um povo no sentido do rumo de sua própria história.

               Ao falar-se de tradição e folclore em relação ao Rio Grande do Sul, a primeira imagem que vem à mente é a da campanha e, conseqüentemente, a dos usos e costumes da vida campeira. Para Lionel Groulx, a primeira vocação da humanidade é a rural. Por entender-se que a constante gaúcha tem a mesma etimologia proposta pelo historiador, adota-se então esta premissa como ponto de partida para o presente estudo.  Tal como Groulx, acredita-se que os povos essencialmente rurais sejam mais arraigados às suas tradições, permitindo que esses possam ultrapassar determinadas crises identitárias provindas do progresso impingido. 


        


[1] ZILBERMAN, Regina. A literatura no Rio Grande do Sul. 3. ed..Porto Alegre: Mercado Aberto, 1992, p.7.
[2] CASCUDO apud BERND,  Zilá;  MIGOZZI, Jacques (orgs.) Fronteiras do Literário. Literatura oral e popular Brasil/França. Porto Alegre, UFRGS, 1995, p. 56.
[3] FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. 2ª edição. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986, p. 1696. Tradição. [do lat. traditione] S. F. 1. Ato de transmitir ou entregar. 2. transmissão oral de lendas, fatos, etc., de idade em idade, geração em geração. 3. transmissão de valores espirituais através de gerações. 4. conhecimento ou prática resultante de transmissão oral ou de hábitos inveterados. 5. recordação, memória.”
[4] CHAPAIS, Thomas apud  BERGER, Jean Du. América francesa: introdução à cultura quebequense. Rio Grande: FURG, 1999. p 196. “Tradição vem da palavra latina “tradere”, que quer dizer dar, liberar, remeter. Fazer tradição de uma coisa é liberá-la, remetê-la a alguém. As tradições são as coisas que uma geração lega à geração seguinte. E eis que, de um só golpe, nos faz compreender quanta importância elas têm, qual lugar elas ocupam na vida de uma nação. As tradições são a cadeia que liga o presente ao passado. Por elas, as sociedades sentem que não são um acidente nascido por acaso, em um momento fortuito do tempo, mas que são ao contrário um produto de um longo esforço e de uma lenta elaboração.”

[5] GROULX, Lionel apud BERGER, Jean Du. América francesa: introdução à cultura quebequense. Rio Grande: FURG, 1999. P. 207. “Tradição quer dizer entrega, transmissão. E desde que se trata aqui da transmissão de um legado moral e de uma transmissão por um organismo vivo, em constante evolução, forçosamente a realidade de um legado moral que se pode supor idêntico a si mesmo em seu interior, mas que, de geração em geração, não deixa de se modificar, de se enriquecer de elementos novos. Falando claramente, quem diz tradição, diz continuidade, avanço constante, enriquecimento perpétuo; e, por isto mesmo, tradição só poderia ser concebida como a tradição viva. No sentido mais geral da palavra, o que seria além dos caracteres, das linhas mestras de uma história? Diz-se exatamente: são as “constantes” de um povo, suas linhas de força.”